terça-feira, 28 de dezembro de 2010

QUE PALHAÇADA!


Ponta Grossa - Quando a doutora Tibúrcia e o doutor Esparadrapo entram em cena, o que era tristeza se transforma em alegria, a dor desaparece, o sorriso toma conta dos rostos, os tratamentos de saúde passam a fazer efeito mais rápido e a euforia transforma o am­­biente. Nos corredores dos hospitais, eles chamam a atenção dos funcionários e durante todo o tempo fazem piadas sobre tudo, seja com gestos, caretas, fingindo se esconder atrás de portas e paredes, improvisando e soprando bolinhas de sabão.

O contato com as crianças é mágico. Pacientes que em um momento sentem dores ou estão deprimidos, em outro saltam das camas e cadeiras para interagir com os palhaços. Em alguns ca­­sos, os acompanhantes das crian­­ças parecem se divertir até mais do que os pequenos e as gargalhadas ecoam levando consigo o vírus da alegria.

“Eu nunca tinha visto nada igual. É muito bacana e bem criativo, muito bom para as crianças. Elas não pedem muita coisa, só um pouco de felicidade, e é isso que os palhaços trazem”, diz An­­dreia Silva, mãe de Fernanda, uma das pacientes do Hospital da Criança, em Ponta Grossa, nos Campos Gerais.

Esse trabalho é fruto do Pro­­jeto Doutores Palhaços, iniciado pelo casal Micheli e Bruno Ma­­dalozo Santos, em 2008, e que está dando origem à organização não governamental (ONG) SOS Alegria. Ela é atriz e estuda artes cênicas e o marido é professor de Educação Física. A experiência como palhaços em hospitais tem se mostrado surpreendente, agregando vários outros profissionais ao projeto.

Segundo Micheli, o interesse em fazer alguma coisa por pessoas hospitalizadas surgiu em 2004, quando uma amiga do casal ficou doente. “Ela tinha câncer e a gente fazia de tudo pa­­ra estar perto dela, inclusive entrando escondido na enfermaria. Uma vez, começamos a interagir com todos os pacientes e a fazer amigos”, conta a atriz.

Depois disso, no início de 2008, numa conversa com uma enfermeira, Micheli descobriu que grupos de palhaços, normalmente compostos por alunos de universidades, frequentavam por algum tempo o Hospital da Criança (HC). O problema é que o trabalho nunca tinha continuidade depois que os estudantes se formavam.

“Fizemos um projeto, tudo direitinho no papel, e apresentamos ao HC. Também tivemos a ajuda do doutor Rodrigo [Souza Netto – atual diretor da ONG] e de outros médicos para conti­nuar o trabalho. Foi aí que começamos a nos profissionalizar e participar de oficinas com os Dou­­tores da Alegria (ONG pioneira no Brasil)”, diz Micheli.

Impacto

Além do apoio de outros profissionais, como médicos, advogados, jornalista e contador, que estão formalizando a ONG, o maior combustível para o trabalho tem sido as histórias de vida colhidas através do contato com os pacientes.

“Em uma ocasião, um garoto que estava no setor de médio risco chamou minha atenção e comecei a brincar com ele através do vidro. Quando a enfermeira me viu, disse que eu podia entrar. No final dei uma pulseira chocalho pra ele. De­­pois fiquei sabendo que ele melhorou muito com o presente, recebeu alta e saiu do hospital balançando o chocalho”, conta Micheli.

Assim como há histórias felizes, há momentos de tristeza, como o relatado por Bruno. “Vi­­sitamos sempre o Ispon [Instituto Sul Paranaense de Oncologia] e lá desenvolvemos um relacionamento de amizade com as crianças que fazem tratamento contra o câncer. Temos que passar por situações bem complicadas, como a da Thalia, que uma semana antes de falecer fez um desenho para nós, que hoje guardamos com carinho”.

Atores são preparados para enfrentar situações

Capacidade de improviso, de­­dicação aos estudos, reciclagem constante, habilidade para lidar com emoções que vão da euforia à depressão, suporte psicológico no caso de rejeição, empatia e muito bom humor. Essas são algumas das características dos palhaços que todo dia visitam hospitais e clínicas para le­­var alegria a crianças e adultos doentes.

Um dos diferenciais dos grupos que seguem a filosofia dos Doutores da Alegria é a profissionalização dos atores. “É uma atividade muito específica e diferente do trabalho normal de um ator, pois você tem que conhecer sobre procedimentos corretos para evitar infecções, lidar com crianças nos mais variados estágios de saúde, saber conversar com os pais e familiares, que muitas vezes estão sofrendo até mais do que os pacientes, enfim, é preciso muita informação e treinamento”, diz a atriz Micheli Madalozo Santos, fundadora do Projeto Doutores Palhaço, de Ponta Grossa.

Projeto em expansão

Segundo o diretor da ONG SOS Ale­­gria, o médico pediatra Rodri­go de Souza Netto, existe a intenção de ampliar o projeto e agregar outras iniciativas, como a “Injeção de Música”, que pretende levar essa arte aos hospitais e clínicas. “Estamos ainda no começo e em breve poderemos receber doações com a formalização da ONG, mas temos a intenção de envolver médicos, funcionários de hospitais, estudantes e outros profissionais para tornar o ambiente hospitalar mais humano”, conta.

GAZETA DO POVO

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