Uma campanha publicitária da cerveja Devassa estrelada pela socialite norte-americana Paris Hilton foi suspensa no mês passado por seu forte “apelo sensual”. No país do carnaval, a decisão do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) – que ainda não é final – causou estranhamento.
“Quem deu a liminar, deu baseado em reclamações de consumidores, e, a partir daí, da sua própria convicção de que aquilo estaria desrespeitando a moral prevalecente e na maioria da população brasileira”, avalia Ivan Pinto, professor da pós-graduação em Comunicação com o Mercado da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e ex-presidente do Conar.
As decisões do Conar não são aleatórias mas, muitas vezes (como nesse caso), são subjetivas. A entidade, formada por representantes das agências de publicidade, anunciantes e veículos de comunicação, baseia suas decisões no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, criado há 32 anos.
É este código que determina as diretrizes para o que é aceito – e o que pode tirar uma peça publicitária do ar.
O que diz o código
O artigo do código que trata de decência é vago: diz apenas que “os anúncios não devem conter afirmações ou apresentações visuais ou auditivas que ofendam os padrões de decência que prevaleçam entre aqueles que a publicidade poderá atingir”, o que pode dar origem a interpretações diversas – e que mudam com o tempo.
“Os maiôs que a minha avó usava iam até o meio da coxa, não tinham decote. No tempo da minha mãe, já era menor, tinha alças. E depois tem o mais curto, os biquínis. Então o que era considerado ‘moral inaceitável’ em 1930, ou em 1950, na minha adolescência, são mundos completamente diferentes”, exemplifica Ivan.
O presidente do Conar, Gilberto Leifert, reconhece a dificuldade. “Interpretar padrões morais é um desafio que o Conar enfrenta desde a sua criação. Para isso, contamos com o Código e nosso Conselho de Ética, formado por perto de 180 voluntários representando anunciantes, agências, veículos e sociedade civil”, diz ele.
A ofensa à moral foi usada como base em um processo contra um anúncio do amaciante Mon Bijou que mostrava dois bebês entre lençóis, que supostamente passaria uma mensagem de erotismo. Esse processo, no entanto, foi arquivado pelo Conar, que considerou que não havia malícia nas imagens.
Também dão margem a interpretações outros artigos do código, como os que condenam a publicidade que “revele desrespeito à dignidade da pessoa humana e à instituição da família” ou que possa “favorecer ou estimular discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade”.
Com base nesses artigos, as secretárias conseguiram a suspensão dos anúncios de um filme que levava o nome da profissional da categoria, “Secretária”. Veiculadas entre 2003 e 2004, as peças, que mostravam uma mulher em posição de submissão, foram acusadas de ofender a dignidade e a honra da profissão, e o Conar determinou a sustação da campanha.
“O código diz que é preciso ter respeito á sociedade, conformação às leis, ser honesto e verdadeiro. (A publicidade) deve ser preparada com senso de responsabilidade social. Tem que haver leal concorrência, não deve denegrir a atividade publicitária. Decência, honestidade, não apelar para medo, superstição e violência, ter apresentação verdadeira”, diz o professor da ESPM.
Alguns assuntos, como bebidas alcoólicas e publicidade envolvendo crianças, merecem atenção especial. O código do Conar determina, por exemplo, que anúncios de bebidas levem a frase “beba com moderação” – o que fez com que a Nova Schin “limasse” a frase “experimenta com moderação” de sua publicidade.
Outros casos
Ivan Pinto lembra outros casos famosos que resultaram na retirada de campanhas publicitárias. Um deles é o do batom Boka Loka, em que a personagem, depois de derrubar as compras e ser molhada pela água espirrada por um carro, articula, em câmera lenta, um palavrão – cujo som, no entanto, não é ouvido.
“(Como relator do processo) eu opinei que a maioria das pessoas não se sentiria bem com pessoas articulando palavrões [no intervalo da] na novela”, diz Pinto. Após votação, no entanto, a peça teve parecer favorável do Conar. “Foi informado à tevê que podia ser veiculado. Mas a tevê, com a autoridade que tem, não veiculou”, conta ele.
“Tem outro caso interessante, de um anúncio com uma fotografia feita quando a Hillary Clinton era esposa do presidente [dos EUA] (...). No ângulo que pegou, acontece aquela coisa que as pernas podem ficar ligeiramente separadas e aparecer a calcinha. Então o anúncio diz: senhor presidente dos Estados Unidos da America, vossa excelência não imagina do que uma Duloren é capaz”, conta. “Obviamente a gente considerou isso, a embaixada protestou, então o relator recomendou a sustação da campanha”.
Como é o processo
O Conar avalia as peças publicitárias depois de sua veiculação, a partir de denúncias feitas por qualquer pessoa – consumidores, empresas associadas e autoridades. Em alguns casos, a iniciativa parte de uma equipe do próprio Conar. O consumidor pode fazer uma denúncia diretamente pelo site do Conar (www.conar.org.br) (não são aceitas denúncias anônimas).
Em casos graves, segundo Leifert, presidente do órgão, uma decisão prévia pode sair em poucas horas, por meio de uma liminar recomendando que a peça publicitária deixe de ser exibida até o seu julgamento.
Normalmente, no entanto, o processo leva entre 30 e 40 dias. Após recebida a denúncia, um dos membros do Conselho de Ética é nomeado relator do processo e fica responsável por avaliar a denúncia e a defesa, formulando um voto que é levado à votação dos outros membros da Câmara. “Os processados podem estar presentes e se defender de viva voz na sessão de julgamento. Os casos subjetivos, como o são frequentemente aqueles envolvendo moralidade, são dirimidos pelo voto dos conselheiros, havendo duas instâncias de recurso contra a decisão inicial”, explica Leifert.
“A regra é que tenha sempre a possibilidade de uma segunda câmera, de apelação. Se houve unanimidade, acabou. Se não, vai para um plenário. Então às vezes um processo pode demorar um pouco”, diz Ivan Pinto.
A decisão do Conar não tem poder de lei. “O anunciante pode não obedecer, mas os veículos, em 99,99% dos casos acatam a recomendação do Conar e retiram do ar o anunciante. Os veículos, palmas pra eles, são os grandes responsáveis pela aplicação das decisões do Conar, diz o professor.
“Quem deu a liminar, deu baseado em reclamações de consumidores, e, a partir daí, da sua própria convicção de que aquilo estaria desrespeitando a moral prevalecente e na maioria da população brasileira”, avalia Ivan Pinto, professor da pós-graduação em Comunicação com o Mercado da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e ex-presidente do Conar.
As decisões do Conar não são aleatórias mas, muitas vezes (como nesse caso), são subjetivas. A entidade, formada por representantes das agências de publicidade, anunciantes e veículos de comunicação, baseia suas decisões no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, criado há 32 anos.
É este código que determina as diretrizes para o que é aceito – e o que pode tirar uma peça publicitária do ar.
O que diz o código
O artigo do código que trata de decência é vago: diz apenas que “os anúncios não devem conter afirmações ou apresentações visuais ou auditivas que ofendam os padrões de decência que prevaleçam entre aqueles que a publicidade poderá atingir”, o que pode dar origem a interpretações diversas – e que mudam com o tempo.
“Os maiôs que a minha avó usava iam até o meio da coxa, não tinham decote. No tempo da minha mãe, já era menor, tinha alças. E depois tem o mais curto, os biquínis. Então o que era considerado ‘moral inaceitável’ em 1930, ou em 1950, na minha adolescência, são mundos completamente diferentes”, exemplifica Ivan.
O presidente do Conar, Gilberto Leifert, reconhece a dificuldade. “Interpretar padrões morais é um desafio que o Conar enfrenta desde a sua criação. Para isso, contamos com o Código e nosso Conselho de Ética, formado por perto de 180 voluntários representando anunciantes, agências, veículos e sociedade civil”, diz ele.
A ofensa à moral foi usada como base em um processo contra um anúncio do amaciante Mon Bijou que mostrava dois bebês entre lençóis, que supostamente passaria uma mensagem de erotismo. Esse processo, no entanto, foi arquivado pelo Conar, que considerou que não havia malícia nas imagens.
Também dão margem a interpretações outros artigos do código, como os que condenam a publicidade que “revele desrespeito à dignidade da pessoa humana e à instituição da família” ou que possa “favorecer ou estimular discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade”.
Com base nesses artigos, as secretárias conseguiram a suspensão dos anúncios de um filme que levava o nome da profissional da categoria, “Secretária”. Veiculadas entre 2003 e 2004, as peças, que mostravam uma mulher em posição de submissão, foram acusadas de ofender a dignidade e a honra da profissão, e o Conar determinou a sustação da campanha.
“O código diz que é preciso ter respeito á sociedade, conformação às leis, ser honesto e verdadeiro. (A publicidade) deve ser preparada com senso de responsabilidade social. Tem que haver leal concorrência, não deve denegrir a atividade publicitária. Decência, honestidade, não apelar para medo, superstição e violência, ter apresentação verdadeira”, diz o professor da ESPM.
Alguns assuntos, como bebidas alcoólicas e publicidade envolvendo crianças, merecem atenção especial. O código do Conar determina, por exemplo, que anúncios de bebidas levem a frase “beba com moderação” – o que fez com que a Nova Schin “limasse” a frase “experimenta com moderação” de sua publicidade.
Outros casos
Ivan Pinto lembra outros casos famosos que resultaram na retirada de campanhas publicitárias. Um deles é o do batom Boka Loka, em que a personagem, depois de derrubar as compras e ser molhada pela água espirrada por um carro, articula, em câmera lenta, um palavrão – cujo som, no entanto, não é ouvido.
“(Como relator do processo) eu opinei que a maioria das pessoas não se sentiria bem com pessoas articulando palavrões [no intervalo da] na novela”, diz Pinto. Após votação, no entanto, a peça teve parecer favorável do Conar. “Foi informado à tevê que podia ser veiculado. Mas a tevê, com a autoridade que tem, não veiculou”, conta ele.
“Tem outro caso interessante, de um anúncio com uma fotografia feita quando a Hillary Clinton era esposa do presidente [dos EUA] (...). No ângulo que pegou, acontece aquela coisa que as pernas podem ficar ligeiramente separadas e aparecer a calcinha. Então o anúncio diz: senhor presidente dos Estados Unidos da America, vossa excelência não imagina do que uma Duloren é capaz”, conta. “Obviamente a gente considerou isso, a embaixada protestou, então o relator recomendou a sustação da campanha”.
Como é o processo
O Conar avalia as peças publicitárias depois de sua veiculação, a partir de denúncias feitas por qualquer pessoa – consumidores, empresas associadas e autoridades. Em alguns casos, a iniciativa parte de uma equipe do próprio Conar. O consumidor pode fazer uma denúncia diretamente pelo site do Conar (www.conar.org.br) (não são aceitas denúncias anônimas).
Em casos graves, segundo Leifert, presidente do órgão, uma decisão prévia pode sair em poucas horas, por meio de uma liminar recomendando que a peça publicitária deixe de ser exibida até o seu julgamento.
Normalmente, no entanto, o processo leva entre 30 e 40 dias. Após recebida a denúncia, um dos membros do Conselho de Ética é nomeado relator do processo e fica responsável por avaliar a denúncia e a defesa, formulando um voto que é levado à votação dos outros membros da Câmara. “Os processados podem estar presentes e se defender de viva voz na sessão de julgamento. Os casos subjetivos, como o são frequentemente aqueles envolvendo moralidade, são dirimidos pelo voto dos conselheiros, havendo duas instâncias de recurso contra a decisão inicial”, explica Leifert.
“A regra é que tenha sempre a possibilidade de uma segunda câmera, de apelação. Se houve unanimidade, acabou. Se não, vai para um plenário. Então às vezes um processo pode demorar um pouco”, diz Ivan Pinto.
A decisão do Conar não tem poder de lei. “O anunciante pode não obedecer, mas os veículos, em 99,99% dos casos acatam a recomendação do Conar e retiram do ar o anunciante. Os veículos, palmas pra eles, são os grandes responsáveis pela aplicação das decisões do Conar, diz o professor.
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